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Vingança sem rosto

Procurando um título para este artigo, me inspirei na máscara do Guy Fawkes, símbolo dos Anonymous e popularizada (no Brasil) por conta do filme V de Vingança. Um comentário só para alfinetar: até católicos podem ser revolucionários. Retomando a linha de raciocínio: o que me levou ao título de outro filme, Darkman – Vingança sem rosto, um nome que, para o contexto atual, me pareceu bem apropriado e chamativo.

Estamos perplexos. Como um movimento que foi às ruas por uma causa esquerdista (revogar o aumento da tarifa do transporte público num primeiro momento, depois acabar com a tarifa em si) conseguiu a adesão de tanta gente diferente em suas convicções e estilos de vida? Hoje, nas manifestações, correm lado a lado gente contra a “cura gay” ao lado de manifestantes pró-família, um eufemismo ardiloso para a pessoa não se declarar abertamente preconceituosa em relação à orientação sexual das outras pessoas. Eu sei o que juntou tanta gente diferente: insatisfação, a certeza de não estar sendo bem representado pela classe política. Lembre-se das notícias recorrentes de corrupção, desvio de dinheiro, lobby… independente de sua convicção política, a falta de ética na política enoja, acho que nisso todos concordamos.

Mas gostaria de relembrar uma coisa: somos pessoas diferentes. Cada pessoa ali, revoltada com a Política ou pelo menos em como ela vem sendo conduzida no Brasil (os últimos 500 anos, talvez?) é diferente, tem visões, posições, convicções diferentes.

É por isso que tenho medo desse sentimento generalizado, que anda se espalhando, manifestado na palavra de ordem das ruas: “sem partido”. De certa maneira, essas pessoas não só se posicionam frontalmente contra os partidos políticos, mas também contra a própria política em si. Nem parecem conscientes de que o fato de se manifestarem nas ruas, de passarem esse recado pro governo, é um movimento político. Que se quer apartidário e até certo ponto, acho positivo: como reunir pessoas de bandeiras tão diferentes em torno de uma causa, de um bem comum, que é a moralização da política?

E por que tenho medo?

Essas manifestações são o recado do povo, sua vingança, avisando para o governo, em cada esfera, em cada poder, que não está contente com o que estão fazendo com o país e com o bem-estar da população. Mas precisamos assumir nossos rostos, dar a cara a tapa, tomar partido, não desistir da Democracia, o sistema de governo que dá voz a todas essas pessoas e reivindicações diferentes.

As alternativas que andam oferecendo no facebook, nos botecos e nos cartazes das manifestações, não me parecem melhores. Eu quero morar num país onde se permita a livre circulação de ideias, a discussão, a organização de partidos políticos e movimentos sociais reivindicando soluções para problemas que vivem diariamente. A melhor imagem a oferecer àqueles que defendem uma ditadura militar é a do cidadão tentando se esconder atrás de um sorriso forçado, com medo de tomar borrachada da polícia. Tampouco uma democracia líquida, sem partidos, ofereceria um cenário melhor. No contexto atual, com uma população pouco educada e politizada, estaríamos todos a mercê dos líderes populistas, dos heróis.

Me chame de idealista, eu confessaria isso antes de você. Mas como disse Winston Churchill, na Casa dos Comuns:

A democracia é a pior forma de governo, salvo todas as demais formas que têm sido experimentadas de tempos em tempos.

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O que é democracia

Toda vez que um determinado grupo tenta impor suas ideias à sociedade usando o peso do Estado, uma imagem que me ocorre é a da Democracia como um prédio tentando se manter estável em terreno arenoso: simplesmente não vai dar certo, uma hora essa porra cai!

democracia

Agora, para começarmos a discussão, vamos assumir este pressuposto: todos somos diferentes. Em outras palavras, somos seres autônomos, nosso modo de pensar e agir e encarar a vida é diferente das outras pessoas.

Aí surge um problema: vivemos em sociedade e virtualmente tudo o que fazemos afeta as outras pessoas. Como resolver esse problema?

A liberdade de cada um termina onde começa a liberdade do outro (Herbert Spencer)

A citação de Spencer, me arrisco a dizer que é um dos princípios para a boa convivência em sociedade, carrega consigo a ideia de que todos os homens – e mulheres, e criaturas verdes de olhos esbugalhados (como diria Douglas Adams), mas escrever segundo as normas do “Politicamente correto” é cansativo – são livres; mas a liberdade de cada um só pode ser plenamente exercida se levarmos em conta o direito a liberdade do outro. Em outras palavras, sua liberdade só será respeita se você puder respeitar a do outro.

Mas Spencer era anarquista e um mundo onde cada um pode fazer e pensar o que quiser, respeitando as liberdades do outro, ainda é hipotético, tudo indica que a Humanidade ainda não alcançou um grau de esclarecimento e engajamento suficiente para que possa viver sem a figura de um governo e ainda assim em harmonia. Levando em conta o poder que a Tecnologia da Informação nos oferece, isso daria um outro post, ou uma história; se você se interessa pelo assunto, Isaac Asimov escreveu um conto bem interessante, O Conflito Evitável.

Ok, então surge a necessidade de uma forma de governo. Mas a gente já está longe da Idade Média, quando os reis e a Igreja Católica tentavam empurrar sua visão de mundo goela abaixo na sociedade; e a gente já passou pelo Iluminismo e viu um florescer do pensamento e o nascer da “Era da Informação”. Não gostamos muito da ideia de ter alguém mandando nos rumos do país e de nossa vida; mas já que isso é importante, que pelo menos a gente possa escolher quem vai ficar ali. É por isso que compartilho da opinião de Churchill:

A democracia é a pior forma de governo, salvo todas as demais formas que têm sido experimentadas de tempos em tempos (Winston Churchill, estadista britânico)

Por um lado, esse pensamento é de um idealismo que beira a mais profunda ingenuidade, mas parece que nós, seres humanos, precisamos almejar conceitos elevados, inalcançáveis até, para que possamos implementar alguma coisa aqui; algo como as sombras que o Mundo das Ideias, de Platão, lança na realidade que a gente vive. Ainda assim, além de ingênuo, considero o pensamento de Churchill de uma sabedoria crua, “das ruas”, como diria um colega de trabalho. É um conceito cínico, simples e genial. A Democracia “é o que tem pra hoje”: podemos tentar fazer com que a opinião de todos seja ouvida, discutida e respeitada. Mas como todos pensamos diferente (lembra do pressuposto no começo deste texto?), é preciso a prática da Política no seu estado bruto, como concebida pelos filósofos: arranjar um acordo, fazer concessões dos dois lados, conseguir um meio termo que satisfaça às aspirações de todos.

Por fim, chegamos ao conceito no qual queria chegar: “a beleza da Democracia não está em atender à vontade da maioria, mas no respeito às minorias” (não sei quem primeiro formulou esse pensamento, mas gostaria muito de achar o autor; se alguém puder ajudar, agradeço). O problema da vontade da maioria é que ela, essa tal maioria, pode ser desinformada ou manipulada. Como leigo, minha impressão é que nossa Constituição é bem avançada ao tentar definir direitos fundamentais, exatamente para evitar que a vontade da maioria não oprima as minorias. Se na prática isso não ocorre, a questão já seria outra e demandaria outro post.

É por isso que sempre procuro alertar a todos para a questão da Diversidade; precisamos, a todo custo, aceitar que o outro é diferente. Precisamos entender que é a suprema maldade com o próximo (mesmo que não percebamos assim), e um sério risco à Democracia impor nossos pensamentos e modo de vida ao outro, sem discussão de ideias, sem debate, sem consenso. Gera desencanto, provoca mal-estar e fere as liberdades individuais.

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